A CPT Pará e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, com o apoio de dezenas de organizações e movimentos sociais, vêm a público exigir que mais um massacre no campo não fique impune. No último domingo (09), os corpos de José Gomes, o Zé do Lago, sua esposa Márcia Nunes e sua filha Joane Nunes, foram encontrados na propriedade da família, em São Félix do Xingu (PA). A família já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares.

De acordo com a nota “o município de São Félix do Xingu é conhecido por conflitos fundiários graves resultantes de ações de grilagens de terras públicas, desmatamento ilegal voltado à atividade da pecuária extensiva, invasões de terras indígenas e áreas de preservação, além da instalação de garimpos ilegais. Esses conflitos têm resultado em assassinatos de lideranças, chacinas e trabalho escravo. Conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças foram assassinadas no município em conflitos pela posse da terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum responsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de 100%. Até o momento, não temos informações se o crime tem motivação agrária, caberá à Polícia do Pará esclarecer as reais motivações da chacina. Apenas no estado do Pará, nas últimas quatro décadas, a CPT já registrou 29 massacres com 152 vítimas. No mesmo período, 75 lideranças foram assassinadas no sul e sudeste do Estado”.

Duas representações foram protocoladas com relação ao caso, pela SDDH, cobrando providências. A primeira à Secretaria de Segurança do estado do Pará (SEGUP), ainda na segunda-feira, a segunda foi protocolada na manhã de hoje (13) à Procuradoria Geral do Estado.

Confira a Nota Pública na íntegra:

NOTA PÚBLICA

Mais um massacre no campo não pode ficar impune!

No último domingo, os corpos de JOSÉ GOMES, conhecido como Zé do Lago, de 61 anos, sua esposa MARCIA NUNES LISBOA, 39 anos e de sua filha JOANE NUNES LISBOA, 17 anos, foram encontrados na propriedade da família, na ilha da cachoeira do Mucura, localizada às margens do rio Xingu, no município de São Félix do Xingu, Pará. Os três foram assassinados a tiros. A Polícia Civil esteve no local e recolheu 18 cápsulas das armas utilizadas no crime. Pelo tipo de arma, pela quantidade de tiros disparados, por não ter sido levado nenhum pertence da família, pela forma como os assassinos surpreenderam as vítimas não permitindo que alguém corresse e tentasse escapar, trata-se de uma execução, provavelmente, a mando de alguém.

A família de José Gomes já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares. Nos últimos anos o desmatamento para exploração de madeira e criação extensiva do gado, tem avançado de forma descontrolada dentro da reserva, se aproximando cada vez mais da região onde a família de Zé do Lago tinha sua propriedade. Até o momento, a Polícia Civil do Pará, que investiga o caso, não apresentou qualquer resultado que indique quem foram os executores e quais as causas que motivaram os crimes.

O município de São Félix do Xingu é conhecido por conflitos fundiários graves resultantes de ações de grilagens de terras públicas, desmatamento ilegal voltado à atividade da pecuária extensiva, invasões de terras indígenas e áreas de preservação, além da instalação de garimpos ilegais. Esses conflitos têm resultado em assassinatos de lideranças, chacinas e trabalho escravo. Conforme dados da CPT, nas últimas quatro décadas, 62 trabalhadores rurais e lideranças foram assassinadas no município em conflitos pela posse da terra. Em nenhum dos casos houve julgamento de algum responsável pelos crimes, portanto, a taxa de impunidade é de 100%. Até o momento, não temos informações se o crime tem motivação agrária, caberá à Polícia do Pará esclarecer as reais motivações da chacina. Apenas no estado do Pará, nas últimas quatro décadas, a CPT já registrou 29 massacres com 152 vítimas.

No mesmo período, 75 lideranças foram assassinadas no sul e sudeste do Estado. Uma delas foi o sindicalista Ronair José de Lima, assassinado no município de São Félix do Xingu em 04/08/2016, cujos responsáveis pelo crime continuam impunes.

O que preocupa os movimentos e entidades de direitos humanos são as limitações dos órgãos de segurança pública do Estado em esclarecer as responsabilidades e causas de muitos assassinatos ocorrido no campo paraense. Em maio de 2021, a CPT e SDDH apresentaram à SEGUP, uma relação de 09 lideranças camponesas, assassinadas entre 2017 e 2021 apenas nas regiões sul e sudeste do Estado em que os crimes não tinham sido ainda esclarecidos e os responsáveis identificados e punidos. O Secretário de Segurança Pública solicitou 15 dias para dar uma resposta, mas, passados oito meses, nenhuma resposta foi dada. Entre os casos relacionados está o de Fernando dos Santos Araújo, assassinado em 26/01/2021, na fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’Arco. Ele era um dos sobreviventes e testemunha chave do massacre de Pau D’Arco, crime ocorrido em 24 de maio de 2017. Quase um ano depois do homicídio, o delegado que presidiu as investigações concluiu o inquérito sem esclarecer as causas que motivaram o crime.

No mesmo documento, as entidades apresentaram também uma relação de 08 mandados de prisão preventiva, decretados contra executores e mandantes de assassinatos no campo, que se encontram foragidos. Nesse período, apenas um mandado foi cumprido. Entre os foragidos estão: o fazendeiro Marlon Lopes Pidde, mandante da chacina de 05 camponeses, crime ocorrido em 27/09/1985, no município de Marabá (PA). Em Júri ocorrido em 08/05/2014, Marlon foi condenado a 130 anos de prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. Outro caso apresentado foi do fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante do assassinado do casal de extrativistas José Claudio e Maria, crime ocorrido em 24 de maio de 2011, no município de Nova Ipixuna (PA). Condenado a 60 anos de prisão em julgamento ocorrido em 06/12/2016, José Rodrigues nunca foi preso para cumprir a pena.

A preocupação das entidades é que com o descaso da segurança pública do Estado em esclarecer a autoria e motivação dos crimes e prender os responsáveis, esse possa ser mais um caso em que as verdadeiras causas que motivaram os crimes não sejam esclarecidas e os responsáveis permaneçam impunes.

Os representantes das organizações que assinam essa Nota esperam que o caso seja rapidamente esclarecido, devendo ser delimitada a dinâmica dos fatos referentes à chacina, a motivação dos envolvidos, todos os responsáveis identificados, presos e devidamente julgados pelo Poder Judiciário; que seja garantida a segurança e proteção para familiares e testemunhas que possam ajudar com informações para esclarecer os crimes.

Belém (PA), 13 de janeiro de 2022.

Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

ENTIDADES E MOVIMENTOS QUE APOIAM:

  1. Prelazia do Alto Xingu-Tucumã

  2. Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA

  3. Movimento Xingu Vivo para Sempre

  4. Comitê Dorothy

  5. Instituto José Claudio e Maria.

  6. Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira Campo e Cidade

  7. Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém.

  8. Coletivo de Mulheres Negras Maria Maria

  9. Comitê em Defesa das Crianças Altamirenses

  10. Conselho Ribeirinho

  11. GDA- Grupo de Defesa da Amazônia

  12. Associação de Mulheres de Altamira e Região

  13. SINTEPP. Regional Transamazônica e Xingu

  14. Centro de Formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu

  15. Núcleos guardiões do Médio Xingu.16. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental- FMCJS;

  16. Instituto Madeira Vivo-IMV;

  17. Coletivo Indígena Mura de Porto Velho-COINMU;

  18. Comitê Binacional de Defesa da Vida Amazônica na bacia do rio Madeira-COMVIDA;

  19. Associação das Comunidades Montanha e Mangabal

  20. Projeto Saúde e Alegria – Caetano Scannavino

  21. International Rivers

  22. Coalizão para a Proteção Permanente de Rios do Brasil

  23. Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos

  24. Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA

  25. Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH

  26. Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – MMCC

  27. International Accountability Project

  28. Instituto Maíra

  29. Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca – KOWIT

  30. Associação de Mulheres do Areia II

  31. Marcha Mundial por Justiça Climática

  32. Marcha Mundial do Clima

  33. Instituto Transformance: Cultura& Educação

  34. Rede Brasileira de Arteducadores

  35. Universidade Comunitária dos Rios

  36. Projeto Rios de Encontro

  37. Ecoa – Ecologia a Ação

  38. Coletivo Tela Firme

  39. Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém

  40. GT Infra – Infraestrutura e Justiça Ambiental

  41. Movimento Tapajós Vivo

  42. ECOE Brasil

  43. Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em Educação Pública do Pará – SINTEPP – SUBSEDE ALTAMIRA

  44. Coordenação Nacional de Lutas – CONLUTAS

  45. Articulação pela Convivência com Amazonia – ARCA

  46. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP

  47. Rede Eclesial Pan Amazônica- REPAM Brasil

  48. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – Instituto de Estudo do Xingu

  49. Diocese de Xingu – Altamira

  50. Comitê REPAM Xingu

1 comentário

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário