“Migração: direitos humanos e solidariedade” foi o tema da primeira edição do Papo em Rede, uma iniciativa da Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM Brasil para debater questões relevantes na realidade social amazônica e que podem ser transformadas por meio de parcerias e ações conjuntas. Nesta segunda-feira, 15 de outubro, várias entidades estiveram representadas no Centro Cultural Missionário/CCM, em Brasília/DF, e puderam acompanhar relatos e testemunho sobre a questão migratória.
Teve destaque a atuação de entidades eclesiais e não-governamentais na crise humanitária da Venezuela, que fez com que milhares de famílias deixassem o país e buscassem melhores condições no Brasil, no Chile e na Argentina a partir de Roraima. Momento marcante da roda de conversa foi o testemunho da migrante venezuelana Ana Farfan, que incentivou as entidades a buscarem “soluções mais profundas” diante da realidade apresentada.
O encontro foi iniciado com um trecho de artigo da professora Márcia Oliveira sobre migrações na Amazônia. Em seguida, a motivação da Irmã Maria Irene Lopes dos Santos, secretária da REPAM Brasil, que abriu as exposições situando a iniciativa do papo em rede lembrando das mobilizações em vista do Sínodo para a Pan-Amazônia, que tem abordado os temas emergentes para a região que também serão contemplados nestes encontros de conversa.
Débora Castiglione, assistente do projeto da Organização Internacional para as Migrações (OIM), apresentou dados de duas pesquisas sobre a realidade da migração venezuelana. A última, divulgada no início deste mês, foi realizada em Boa Vista e Pacaraima e tem foco nas crianças, visando entender a situação de vulnerabilidade a que estão submetidas. Foram contabilizadas informações referentes a acesso a serviço e itens básicos, situações de abuso (xenofobia, exploração laboral, entre outros), a questão escolar e alimentação. O relatório pode ser conferido aqui.
Maria Cristina dos Anjos, assessora nacional da Cáritas Brasileira para a área de Migração e Refúgio, falou sobre a caminhada da Cáritas neste campo de trabalho. Recordou a atuação de agentes eclesiais em São Paulo e no Rio de Janeiro, na década de 1970, com a realidade da migração. Mais recentemente, a Cáritas em todo o mundo promove a campanha mundial Compartilhe a Viagem e, neste ano, aqui no Brasil, esteve envolvida em vários eventos ligados ao tema, com destaque ao Seminário Internacional de Migração e Refúgio e ao lançamento nos próximos dias da “Caminhada Global Solidária”.
Na crise humanitária da Venezuela, a Cáritas teve participação na missão fronteira, promovida pela Comissão de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e articulou a criação da Cáritas Diocesana de Roraima. Outras frentes são a elaboração de programas para atendimento dos venezuelanos e iniciativas nos estados que recebem os migrantes com ações de integração.
Pela internet, irmã Telma Lage, religiosa das Missionárias de Nossa Senhora das Dores, que coordena o Centro de Migrações e Direitos Humanos em Roraima, revelou que o tempo de trabalhos com os venezuelanos tem sido um “tempo de graça” e que a abordagem positiva a respeito é importante.
Irmã Telma contou da falta de recursos em Roraima para atendimento aos que chegam e apontou que não houve preparação por parte do governo do estado. Também relatou o trabalho que tem sido feito pelo centro de migrações, as dificuldades que enfrentam com preconceitos em relação à assistência necessária que oferecem aos migrantes, que por causa da fome chegaram a perder 20 quilos em média.
Ao lamentar que muitos desejam e até engrandecem a movimentação financeira em Roraima, por conta da busca por produtos básicos por parte dos venezuelanos, irmã Telma apontou a incoerência nesta prática que deseja o lucro, mas rejeita o ônus daquela realidade. A religiosa ressaltou, ainda, a necessidade de uma resposta “humana e solidária” que o Brasil deve dar para a situação dos venezuelanos.
A diretora do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), irmã Rosita Milesi, abordou em sua fala o tratamento, as medidas e as políticas a serem implementadas no atendimento humanitário para migrantes em regiões de chegada, de passagem e de destino para os migrantes. Ela sublinhou que muitos, mesmo em busca de melhores condições, sonham em retornar para sua terra, que para a religiosa, “tem um pouco de mãe da gente: é de lá que a gente saiu, que a gente partiu”.
A irmã scalabriniana apresentou as ações promovidas pelo instituto, com destaque às várias frentes de trabalho em Pacaraima e Boa Vista, nesta com mais de 5 mil atendimentos. Irmã Rosita também revelou desafios, como a “dificuldade de criar mecanismos de acessos aos direitos dos migrantes”.
Testemunho
A migrante venezuelana Ana Farfan fechou a participação das presentes na mesa com seu testemunho sobre a situação dos venezuelanos a partir da ótica de quem viveu na pele a dor de deixar sua terra e deixar para trás familiares na fuga da crise que assola o país. “Os venezuelanos pensam que a salvação é chegar a Roraima, mas não é assim”, conta.
Atraída por uma promessa de emprego em Brasília, Ana chegou esperançosa. Mas o compromisso de acolhida virou uma exigência de que a migrante tivesse carteira de motorista para, além de cuidar da casa, também levar as crianças à escola. Não sendo possível atender ao pedido, disseram que a mandariam de volta ao seu país. Foi aí que Ana encontrou o IMDH, que por meio da irmã Rosita Milesi, a encaminhou para uma família e um emprego.
Ana relatou várias histórias da realidade mais crua que só quem está mais próximo ou do outro lado da fronteira enxerga. São pessoas que ficam sem tratamentos de saúde ou medicação, gestantes que não se alimentam e veem seus recém-nascidos morrerem, crianças que buscam algo para comer nas lixeiras e desfalecem nas calçadas.
A esperança por uma vida nova também não se concretiza quando se vê a realidade brasileira. “Temos pessoas que estão fazendo um trabalho criminoso em Pacaraima, semeando ódio contra os venezuelanos”, lamenta lembrando que os migrantes buscam uma mão amiga.
Ana ainda sublinhou que ao ver “os meninos da Venezuela” lembra de seus netos e recordou um relatório da Organização Mundial da Saúde que verificou a perda de capacidade intelectual de crianças venezuelanas por falta de alimentação adequada.
Ao fim de sua fala, agradeceu a oportunidade de expor seu testemunho e incentivou a busca de soluções mais profundas diante da crise humanitária de seu povo.
Saúde
Presentes no encontro, representantes da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde colocaram-se à disposição para colaborar na realidade amazônica, apontaram preocupações com epidemias de malária e hepatites e escutaram as dificuldades de atendimento que as entidades enfrentam nesta área.
Participação
Construindo laços, gerando conhecimento e apontando para futuras parcerias, o primeiro Papo em Rede foi bem avaliado e gera expectativa para a próxima edição, marcada para o dia 10 de dezembro.
Estiveram representadas as seguintes entidades: IAC, CRB Nacional, Ministério da Saúde, Cáritas Brasileira, Irmãos Maristas, União Brasiliense de Educação e Cultura/Ubec, Instituto Migrações e Direitos Humanos/IMDH e Organização Internacional de Migrações/OIM-ONU.