Em comunicado publicado nesta segunda-feira (18), a Rede Eclesial Pan-Amazônica convoca toda a sociedade para uma ação urgente e unificada em vista da Amazônia e seus povos, para se evitar uma grande tragédia humanitária e ambiental. O texto é assinado pela presidência da Rede: o cardeal Claudio Hummes (presidente), o cardeal Pedro Barreto (vice-presidente), e Maurício López (secretário executivo).

 

Confira o texto da nota na íntegra:

 

REPAM convoca para uma ação urgente e unificada a fim de evitar uma grande tragédia humanitária e ambiental

 Colapso estrutural na Amazônia

 

Uma força enorme de proporções nunca vistas está devastando a Amazônia, em duas dimensões que se combinam de forma brutal: a pandemia do Covid-19, atingindo corpos vulnerabilizados, e o aumento descontrolado da violência sobre os territórios. A dor e o grito dos povos e da terra se fundem em um mesmo clamor.

“Os povos pediram que a Igreja fosse uma aliada, uma Igreja que estivesse com eles, uma Igreja que apoiasse o que eles decidem, o que eles pretendem e de que forma eles pretendem construir o seu futuro nesse momento tão difícil da pandemia”, afirmou o Cardeal Dom Cláudio Hummes.

Nos diversos países da Pan-Amazônia, a Igreja está ecoando apelos e pedidos de socorro, num contexto que ameaça a sobrevivência desse bioma e de seus povos.

Na Bolívia[1], os povos indígenas denunciam o governo por falta de coordenação e de consulta na prevenção e combate à pandemia; destacam, inclusive, que todas as informações não são divulgadas nos idiomas originários reconhecidos pela Constituição.

Na Colômbia[2], os bispos reconhecem os esforços do governo, mas ressaltam que “os indígenas, camponeses e afrodescendentes são os grupos mais em risco, porque já se encontravam em situação de pobreza estrutural, em condições de insegurança alimentar e desnutrição, sem acesso à saúde e à água potável”.

A insegurança alimentar dos povos indígenas é uma preocupação também na Venezuela[3], onde esses povos sentem-se ameaçados pelo possível contágio por meio das atividades de mineração ilegal em seus territórios e a passagem por suas terras dos migrantes venezuelanos que voltam ao país. Os indígenas estão tomando medidas de isolamento e controle territorial, bem como de intensificação dos cultivos nos territórios locais, para garantir sua soberania alimentar.

No Brasil, 32 procuradores do Ministério Público Federal[4] declararam que “o cenário de risco de genocídio dos povos indígenas reclama ações emergenciais dos órgãos e entes públicos”. A Mobilização Nacional Indígena afirma que há “uma evidente intencionalidade do governo de impedir que o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena funcione”[5].

No Peru há preocupação pela situação de vários povos amazônicos – entre eles, muitos indígenas – que migraram para as cidades em busca de trabalho e se encontram totalmente desprotegidos. Os bispos da Amazônia peruana[6] exortam as autoridades a apoiar seu retorno às comunidades e a garantir que isso se cumpra conforme os protocolos estabelecidos pelo Ministério de Saúde.

A Aliança de Parlamentares Indígenas de América Latina pede que a Organização Mundial da Saúde recomende aos países da região a priorização de medidas específicas para garantir a proteção da vida dos povos indígenas diante da grave pandemia global.

A Coordenadoria das Nações Indígenas da Bacia Amazônia (COICA) solicita contribuições para um Fundo de Emergência da Amazônia, para proteger os 3 milhões de habitantes da floresta tropical que são vulneráveis ao novo coronavírus.

A Igreja Católica, por sua parte, vem fazendo muitos esforços, particularmente por meio das Cáritas de cada região, para contribuir com recursos materiais e econômicos, bem como com a solidariedade e o apoio espiritual.

 

O vírus da violência e do saque da Amazônia

No ataque devastador à Amazônia outro vírus continua ameaçando os povos e a floresta. A Frente Parlamentar mista para os Direitos dos Povos Indígenas no Brasil denuncia que “mesmo quando a pandemia freia a economia, o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas do continente permanecem a todo vapor”[7].

No Equador[8], a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) condena o rompimento do Sistema de Oleoduto Transequatoriano e do Oleoduto de Crudos Pesados, ocorrido no dia 7 de abril de 2020, que provocou um grave derrame de petróleo e afetou aproximadamente 97.000 pessoas que vivem à beira dos rios Coca e Napo.

Os 67 bispos da Amazônia brasileira associam a atual crise socioambiental desse bioma ao notório afrouxamento das fiscalizações e ao contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal. Já se vislumbra “uma imensa tragédia humanitária causada por um colapso estrutural”[9].

Os bispos denunciam, em particular, os projetos de lei para mineração em terras indígenas e medidas parlamentares que tentam definir uma nova regularização fundiária no Brasil, eliminando a reforma agrária, a regularização de territórios dos povos originários e tradicionais, favorecendo a grilagem de terras, o desmatamento e os empreendimentos predatórios, regularizando as ocupações ilegais feitas pelo agronegócio mineração em terras indígenas.

A mineração preocupa também o Policy Forum Guyana, que denuncia que as atividades extrativas destroem a floresta e a circulação de mineiros e caminhoneiros são um perigoso veículo de contágio para as comunidades do interior do país. A extração de ouro foi declarada atividade essencial pelo governo e, provavelmente, vai aumentar ainda, por causa da recessão provocada pela Covid-19 e o aumento do preço mundial deste metal.

Ao comentar o aumento preocupante da violência no campo, a Comissão Pastoral da Terra do Brasil (CPT Nacional)[10] afirma que, em 2019, a grande maioria dos assassinatos por conflitos rurais no país (84%) aconteceram na Amazônia.

Por estas denúncias, em vários contextos da Pan-Amazônia a Igreja vem sendo caluniada e atacada, como aconteceu recentemente com as vergonhosas e infundadas acusações, que repudiamos, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI – órgão do governo federal brasileiro) contra o Conselho Indigenista Missionário (Cimi)[11].

 

Ação global em defesa da Amazônia

O cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis.

A sabedoria dos povos nativos da Amazônia “inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro”.

Os indígenas, “quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida”.

Querida Amazônia, n. 42

Encontramo-nos num momento decisivo para a Amazônia e para o mundo, tempo de gestação de novas relações inspiradas na ecologia integral, ou de definitivo enterro dos sonhos do Sínodo, se o medo, os interesses econômicos, a pressão dos detentores dos grandes capitais deixarem que se imponha cada vez mais forte o modelo desta “economia que mata” (EG 53).

O papa Francisco faz um chamado urgente à solidariedade planetária: “Este não é o tempo da indiferença (…), do egoísmo (…), da divisão (…), do esquecimento. Que a crise que estamos afrontando não nos faça deixar de lado tantas outras situações de emergência que trazem consigo o sofrimento de muitas pessoas”[12].

José Gregorio Díaz Mirabal, membro do povo Wakuenai Kurripako, originário da Amazônia venezuelana e coordenador-geral da COICA, resume: “É um apelo dos povos indígenas da Amazônia, porque estão nos ignorando”.

 

A REPAM chama a uma ação unitária os povos indígenas amazônicos, a sociedade civil da Pan-Amazônia e do mundo, a Igreja Católica e todas as denominações religiosas preocupadas para com o cuidado da Criação, os governos, as instituições internacionais de direitos humanos, a comunidade científica, os artistas e todas as pessoas de boa vontade, para juntarem esforços em defesa da “Amazônia querida, com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério” (QA 1).

Card. Claudio Hummes, OFM        Card. Pedro Barreto Jimeno, SJ         Mauricio López O.

                 Presidente                                    Vicepresidente                        Secretario Ejecutivo

 

Comité Directivo

Red Eclesial Panamazónica -REPAM

 

 

18 de maio de 2020

Rede Eclesial Pan-Amazônica

 

 

[1] Pronunciamiento de los pueblos indígenas de las tierras bajas de Bolivia frente a la emergencia sanitaria por el Covid-19, 28.04.2020

[2] Comunicado de los obispos de la Amazonía y Orinoquia colombiana – A las autoridades y a toda la ciudadanía de Colombia

[3] Informações de Minerva Vitti – Centro Gumilla e Repam Venezuela

[4] Covid-19: MPF recomenda ações emergenciais de proteção à saúde dos povos indígenas, disponível em: http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/noticias-df/covid-19-2013-mpf-recomenda-acoes-emergenciais-de-protecao-a-saude-dos-povos-indigenas

[5] https://cimi.org.br/2020/04/nota-mobilizacao-nacional-indigena-exige-medidas-urgentes-em-defesa-da-saude-e-da-vida-dos-povos-originarios-do-brasil/

[6] Comunicado de los obispos de los vicariatos apostólicos de los obispos de la Amazonía peruana – A las autoridades y a toda la ciudadanía del Peru, 22 de abril de 2020

[7] Carta aberta da Frente Parlamentar Mista em defesa dos direitos dos povos indígenas ao Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde, 05 de maio de 2020.

[8] https://redamazonica.org/2020/04/repam-ecuador-derramamiento-de-petroleo-en-la-amazonia/

[9] Nota dos bispos da Amazônia brasileira sobre a situação dos povos e da floresta em tempos de pandemia da covid-19

[10] https://www.cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/5167-conflitos-no-campo-brasil-2019

[11] http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6079-osfatos

[12] Mensagem Urbi et Orbi, 12 de abril de 2020

1 comentário

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário