Um ano atrás, podendo ser considerado mais um fruto do Sínodo para a Amazônia, em seu empenho em fazer realidade uma Igreja com rosto amazônico e indígena, o Seminário São José de Manaus criou o Núcleo de Reflexões Pluriétnicas “Yüü”.
No “Dia dos Povos Indígenas”, como deveria ser chamado, segundo reclamam os povos originários do Brasil, aquele que pejorativamente é conhecido como “Dia do Índio”, um termo cunhado por Américo Vespucio pensando ter chegado às Índias, foi comemorado o primeiro aniversário de algo que pode ser considerado como “uma maloca espiritual”, segundo o padre Rubson Vilhena.
Para o vice-reitor do Seminário São José de Manaus, o Núcleo de Reflexões Pluriétnicas é motivo de orgulho, pois ajuda a “aprofundar em nossas raízes, em nossa cultura”. É por isso que os formadores do Seminário, onde se formam os seminaristas das 9 dioceses e prelazias do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dentre eles indígenas de 8 povos, agradecem os seminaristas que participam do Núcleo, insistindo na necessidade de amazonizar a Igreja, mas não com imposições, para não cair em erros do passado no sentido contrário.
Um desses seminaristas que participam do Núcleo de Reflexões Pluriétnicas é Eliomar Rezende Sarmento, do Povo Tukano, seminarista da Diocese de São Gabriel da Cachoeira, na região com maior porcentagem de indígenas do Brasil. Segundo ele, “o Núcleo de Reflexões Pluriétnicas tem o objetivo de contribuir e fortalecer a identidade indígena dentro do processo formativo e pedagógico do Seminário São José, tendo em vista essa plurietnicidade de seminaristas de várias regiões e de várias dioceses”, insistindo em que se busca “formar padres com consciência indígena e com rosto amazônico”.
O Dia dos Povos Indígenas no Seminário de Manaus, impulsado pelo Núcleo de Reflexões Pluriétnicas, tem sido um momento em que puderam ser vistos alguns traços dessa Igreja com rosto indígena à qual nos chama o Papa Francisco. O uso de elementos que fazem partes dos rituais indígenas são expressões que também estão presentes no universo cristão, a fumaça como sinal de proteção, o pajé como aquele que invoca o espírito para curar as doenças, cuidar da comunidade, proteger a vida, a saúde e o trabalho. Algo que também se descobre na correlação existente entre a narração da Criação no Livro do Gênesis e a origem do mundo e da humanidade em diferentes cosmovisões indígenas.
No encontro se fez presente a jovem indígena Geana Batista, mestranda em psicologia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que vê o 19 de Abril como “momento de reflexão, de resistência, de luta”. Segundo a indígena do Povo Baniwa, “temos nossa história, nossa cultura, nossos corpos, nossos direitos violados”, relatando as dificuldades que os jovens indígenas enfrentam no contexto urbano diante da pressão, racismo e discriminação contra os povos originários no Brasil.
Geana Batista é consciente que os povos indígenas “já conquistamos muitos espaços como indivíduos graças às lutas dos nossos antecessores, de lideranças indígenas”, o que a leva a reafirmar a importância das lutas para que os povos indígenas tenham respeitados os direitos garantidos pela Constituição Brasileira: educação, saúde, moradia, território. Para isso, ela destacou a necessidade da juventude indígena se tornar protagonista.
No início da luta dos povos indígenas teve um papel destacado a Igreja católica, segundo Jaime Diakara, doutorando em Antropologia. O indígena do Povo Desano refletiu sobre os diferentes modos de entender a vida nas diferentes culturas, afirmando que a Universidade muitas vezes não entende o pensamento indígena. Ele insistiu na necessidade de uma luta coletiva, pois ela não pode ser individual. Nesse sentido, o movimento indígena é prejudicado pelas divisões existentes nele, colocando as dificuldades que os indígenas encontram para viver na cidade.
POR LUIS MIGUEL MODINO
Assessor de comunicação CNBB Norte1