Momento de estudo e reflexão durante o Encontro dos Bispos em 1972
Por Pe. Sidney Augusto Canto
Arquidiocese de Santarém, PA
Nos próximos dias 06 a 09 de junho de 2022, a Arquidiocese de Santarém sediará um novo encontro dos Bispos da Amazônia, para fazer memória do encontro ocorrido há 50 anos (24 a 30 de maio de 1972), nas dependências do Seminário São Pio X (foto abaixo). “Celebrar”, “Lembrar” (fazer memória), “Avaliar”, “Iluminar”, – os ‘locais’ e os ‘momentos’ em que existem trevas na realidade atual -, são palavras que podem nos ajudar a valorizar ainda mais este novo encontro dos nossos Bispos.
No passado, naquele não tão distante ano de 1972, o encontro dos Bispos acontecia em um momento crítico da história nacional e, também, da realidade amazônica como um todo. Eram os “anos mais duros” do Regime Militar: tempo do AI-5, de cassação de direitos políticos, de perseguições políticas a quem era contrário ao regime e a favor da redemocratização do país. Bispos, padres e leigos foram perseguidos por lutarem em favor da democracia e dos direitos civis.
No contexto de realidade da Amazônia, o Encontro de Santarém foi, também, o encontro das diversas “Amazônias” existentes: a Amazônia da “cidade” se encontrando com a Amazônia “rural”, no contexto em que a Amazônia densamente povoada, das margens do litoral do mar e dos rios, começava a se encontrar com a Amazônia das matas que, naquela época, eram “rasgadas” pela aberturas de novas estradas; a Amazônia “extrativista” se encontrando com a Amazônia dos grandes “projetos de mineração e industrialização”, representando o encontro das novas tecnologias frente às antigas tradições econômicas existentes; a Amazônia dos “migrantes” se encontrando com a Amazônia dos “nativos”, acompanhado de conflitos pela “posse” da terra, choques culturais e colocando em evidência a causa indígena que, naquele tempo, eram colocados em “reservas” criadas pelo Governo, delimitando o “cosmos” da vida dos povos indígenas.
Animados pelas transformações inspiradoras do Concílio Vaticano II (1962 a 1965), bem como do Encontro dos Bispos em Medellín, Colômbia (24 de agosto a 06 de setembro de 1968). Os Bispos da Amazônia também tinham, em seus corações e pensamentos, os ensinamentos dos dois Papas marcantes do período conciliar, João XXIII e Paulo VI. Este último, inclusive, com uma frase deu o rumo que podemos destacar como lema do encontro: “Cristo aponta para a Amazônia”.
Dom Tiago Ryan, OFM, então Bispo Prelado de Santarém, cita que o texto final do Encontro de Santarém (documento que foi denominado “Linhas Prioritárias para a Pastoral da Amazônia”), também teve a colaboração dos padres da Prelazia que, um mês antes (11 a 13 de abril), a partir de um estudo conjunto realizado no Seminário São Pio X, elaboraram o primeiro esboço de um Plano de Pastoral para a Prelazia. São os próprios presbíteros que falam, na apresentação do texto final do seu encontro: “fomos motivados a este trabalho pelo nosso dever de contribuir algo para a reunião sobre a Pastoral Orgânica da Amazônia a ser realizada no fim de maio”. Este anteprojeto apresentava o seguinte objetivo:
“O objetivo da Igreja de Santarém é o anúncio e a vivência do Evangelho de Jesus Cristo, visando o desenvolvimento integral do homem desta região para uma maior participação na comunidade cristã”.
Foram escolhidos, pelos presbíteros da Prelazia de Santarém, 14 prioridades para a elaboração de um anteprojeto de Plano de Pastoral. Cada qual com seu objetivo específico. Algumas delas notoriamente presentes no documento final dos Bispos. Entretanto, os próprios presbíteros salientam a grande limitação que houve, por questão de ordem prática, da ausência da participação dos religiosos e leigos da Prelazia na elaboração do seu anteprojeto, sem contudo, fechar as portas para a participação dos mesmos pois, a partir da publicação dos resultados do encontro, ficou aberto o convite para a colaboração de todos aqueles que, de alguma forma, estavam unidos à Igreja, comprometendo-se os presbíteros a manterem-se “abertos a um diálogo franco e enriquecedor” com todo o povo de Deus.
Deixemos ecoar estas palavras “Encontro”, “Diálogo”, “Participação”. São palavras que não podem ser perdidas. O “Encontro” de 1972, não foi somente uma simples reunião dos bispos, mas o desejo dos pastores de se encontrar com suas ovelhas, de sentirem seu cheiro, de cuidar de suas feridas. Apresentou o desejo da Igreja de dialogar cada vez mais com a sociedade, atenta não somente ao socorro espiritual, mas também no zelo pela pessoa humana como um todo. Um “Encontro” que abriu espaço para a participação dos leigos e leigas que, reunidos em comunidades, assumissem o discipulado no anúncio e vivência do Evangelho. Cristo apontou para a Amazônia e o Espírito Santo veio até nós e animou a Igreja a se encarnar na realidade amazônica.
Passados 50 anos, vivemos uma realidade que apresenta diferentes desafios, mas também algumas das mesmas dificuldades do passado que ainda persistem. No contexto nacional, há ataques reais e concretos ao sistema democrático com pedidos do retorno, inclusive, do AI-5. Com a graça de Deus vamos vencendo uma pandemia de Covid-19, mas choramos ainda tantas vidas perdidas. Estamos vivenciando uma época em que a Amazônia continua sofrendo por conta da ganância, da exploração econômica de seus ecossistemas, do menosprezo pela cultura nativa, cabocla e dos povos indígenas, pela poluição dos rios e igarapés, pelo desmatamento. Mas, também vivemos na época de Francisco, da “Fratelli tutti”, da “Laudato si”, da “Querida Amazônia” e de tantas outras aspirações proféticas sobre a realidade e o futuro de nossos povos.
Olhamos para este novo encontro dos nossos bispos com o mesmo olhar de esperança, de que o Espírito Santo soprará sobre a realidade, para que a nossa Igreja continue a se lembrar dos pobres, dos excluídos, dos que vivem nas novas periferias existenciais da vida, dos indígenas, dos migrantes que hoje fazem o êxodo do campo para a cidade. É hora de, novamente, avaliar a caminhada da Igreja, lembrando que pastores e ovelhas caminham juntos, de forma sinodal, anunciando e testemunhando o Evangelho de Jesus Cristo, partilhando da atitude de Maria, que deixou a vontade de Deus realizar-se em sua vida. Celebramos a união de fé e esperança de nossos povos que, no amor fraterno, vão construindo o Reino de Deus em nosso chão, em nossos rios, em nossas matas e floresta, em nossa querida Amazônia.