No início dessa semana a notícia de mais duas mortes de indígenas em confronto com garimpeiros retoma o debate sobre os impactos sociais, ambientais, políticos e econômicos dessa atividade ilícita cada vez mais praticada na Amazônia com aval dos governos local e nacional.  A notícia da morte dos dois indígenas da Comunidade Isolada Moxihatëtëma localizada na região do alto rio Apiaú, no município de Mucajaí, região Sul de Roraima, foi anunciada pela Hutukara Associação Yanomami (HAY).

A Terra Indígena Yanomami tem sido uma das regiões mais tensas e com maior número de mortes em confrontos com garimpeiros. A comunidade do Palimiú, situada no Rio Uraricoera, desde maio deste ano sofreu mais de 10 ataques armados transformando a região num cenário de guerra com matança indiscriminada. Nem as crianças escapam. Duas morreram afogadas fugindo dos ataques e recentemente mais duas foram tragadas por dragas de sucção instaladas às margens do rio onde elas costumam nadar, brincar e pescar todos os dias.

Por causa dos ataques, sem a devida proteção, assustadas e ameaçadas, as equipes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) Yanomami, deixaram seus postos de trabalho e populações inteiras estão entregues à própria sorte nesse tempo de pandemia. Essas denúncias foram apresentadas no II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana.

A questão dos ataques aos índios isolados é muito grave porque as informações demoram para chegar às lideranças para pedir providências da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Polícia Federal e do Ministério Público, instituições responsáveis pela segurança dos Povos Indígenas. Essa demora faz com que muitos crimes não sejam denunciados e o número de mortos nos conflitos não seja esclarecido. Da mesma forma, os crimes ambientais ficam também impunes.    Mas, a final, o que é um garimpo ilegal?

Recentemente o bacharelando Joel Valerio do curso de Ciências Socais da Universidade Federal de Roraima desenvolveu uma ampla pesquisa sobre o tema no seu Trabalho de Conclusão de Curso. Da a relevância de sua pesquisa, apresentamos alguns recortes que contribuem para entender o que vem ocorrendo nos garimpos ilegais da Amazônia na atualidade.  Para começo de conversa, sua pesquisa afirma que no Brasil todo garimpo é ilegal por causa da nossa legislação.

De acordo com o pesquisador, a temática do garimpo ilegal tem sido frequente nas pesquisas e o garimpo ilegal faz parte do histórico de migrações no estado de Roraima. Foi e continua sendo um fator de atração e circulação de migrantes internos e internacionais. Nas últimas décadas, entretanto, a corrida pelo ouro estava do outro lado das fronteiras. Eram os migrantes brasileiros que atravessavam as fronteiras do Brasil para o Suriname, as Guianas e a Venezuela em busca da garimpagem. Nos últimos cinco anos, este contexto vem mudando drasticamente por causa da nova conjuntura política no lado brasileiro e dos outros países. De modo especial, os garimpeiros que estavam na Venezuela foram se transferindo para o lado brasileiro com as migrações.

O desemprego, a fome e a miséria, empurram muita gente para os garimpos. Acredita-se que são milhares, a maioria homens, mas, há muitas mulheres também.  As narrativas recolhidas entre migrantes que circulam nos garimpos ilegais de Roraima, informam que o controle social nos territórios de garimpagem foi tomado eminentemente por controles econômicos e políticos e muitos falam da presença do crime organizado.  As narrativas colhidas na pesquisa de campo revelam que o garimpo está muito presente na vida do povo roraimense e dos migrantes que continuam chegando.

De acordo com as narrativas, garimpo tem mudado muito, já não é o mantenedor de sonhos e aventuras romantizadas de outrora. Já não encontramos aquele sonhador rude com códigos de honra próprios. Os garimpos ilegais com lavra clandestina têm se tornado um local de grande exploração de mão de obra com sub serviços com forte analogia a escravidão. “Eu tenho ido ao garimpo porque estou desempregado aos 59 anos. Não sou aposentado e tenho que sustentar a família que é grande. É por causa de desemprego mesmo. Só no desespero é que a gente encara o garimpo” (Pesquisa de campo nº. 10, janeiro de 2021).

Cada vez mais o monopólio dos equipamentos e os territórios de garimpagem ilegal estão nas mãos de menos pessoas. Os locais de garimpagem são sempre de difícil acesso e a logística para chegar até eles e se estabelecer exige muito dinheiro. Assim quando um “brabo” (garimpeiro de primeira viagem) geralmente migrante, é recrutado para trabalhar irá sofrer bastante até aprender e provavelmente ganhará menos por não ter experiência.

Muitos trabalhadores, ao serem recrutados não imaginam que irão trabalhar em um local tão degradante, num ambiente tão hostil, com jornadas extenuantes e sob permanente tensão. “A gente não é garimpeiro, a gente trabalha por diárias e o patrão controla a gente o tempo inteiro sempre com olhar de desconfiança. Por qualquer motivo despejam a gente de volta na cidade sem receber nada pelo trabalho de semanas ou meses” (Pesquisa de campo nº. 10, janeiro de 2021).

Diante das narrativas conclui-se que o garimpo, longe se ser uma opção, é justamente a falta de opção. Logo, os sucessivos deslocamentos para os garimpos são eminentemente compulsórios. É fruto da desesperança que que os migrantes e desempregados estão vivendo na cidade e no campo. Nas narrativas não encontramos uma só expectativa de um bom futuro. O que se constatou foi total submissão e o apego ao desconhecido. Muitos vão, alguns não chegam, outros não voltam nunca mais, e por fim, aqueles que retornam e entendem que foram atrás de esperança, encontraram um “aniquilador de sonhos” que é como se referem aos “novos patrões dos garimpos” (Pesquisa de campo nº. 10, janeiro de 2021), empresários e políticos que lucram com a extração ilegal de minérios na Amazônia.

   As grandes jazidas de minério estão em áreas de fronteiras, Terras Indígenas ou área de preservação ambiental. Isso torna quase impossível que se consiga uma licença para a lavra garimpeira. Então tudo acontece de forma ilegal, assim toda a logística é feita de modo criminoso contando muitas vezes com conexões que atraem vários tipos de outros crimes.

Os migrantes internos ou internacionais deslocados para os garimpos ilegais, trabalham em equipes em forma de revezamento dia e noite. São operários de maquinarias ou escavadores dos barrancos e crateras. Em nossas observações de campo, identificamos que existe uma frente de trabalho bem equipada que pode contar com uma máquina escavadeira de grande porte com tração de esteira e um operador. Logo, não é um garimpeiro qualquer se aventurando nos garimpos. É um operador de máquinas pesadas.

O que ouvimos nas narrativas dos migrantes que passaram pelos garimpos ilegais foi desesperança, choro, doenças, tristeza. Narraram o caso dos dois jovens que morreram afogados quando a embarcação virou com a força da água no rio Uraricoera em região de garimpo.

As narrativas informam ainda que para evitar que a polícia entre nas áreas de garimpagem muitos corpos são trazidos e abandonados em locais próximos as estradas que dão acesso à cidade. As narrativas revelam ainda que há muitas mulheres recrutadas para o trabalho nos garimpos ilegais. Elas trabalham em diversas frentes. No entanto, uma parte significativa atua na prestação de serviços sexuais e sofrem todo tipo de violência e exploração sexual comercial promovida nos garimpos com grupos especializados no tráfico de mulheres para essa finalidade.

A situação das mulheres traficadas nos garimpos é um capítulo à parte na referida pesquisa que logo estará disponível para consulta na página do curso.

Fonte: Márcia Oliveira via Amazônia Atual

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