Foto: Luis Miguel Modino

A Rede Eclesial Pan-Amazônica/REPAM- Brasil em conjunto com dezenas de organizações sociais e religiosas, assinaram nessa semana uma Nota de solidariedade ao povo Kinja (Waimiri Atroari), na luta pela defesa de seis direitos ameaçados e danos causados por causa da abertura da rodovia BR 174, que liga Manaus a Boa Vista.

De acordo com a nota, ao contrário do que afirma o governo, o impacto ambiental da construção do Linhão sobre a Terra Indígena Waimiri Atroari e consequentemente os transtornos para a vida do povo indígena são consideráveis. O projeto prevê a construção de 250 torres de transmissão com uma base de 50 por 50 metros, além do trânsito permanente de um grande número de pessoas para fazer a manutenção, o que implica em desmatamento e em restrições a autonomia do povo indígena sobre o seu território, inclusive dificultando o seu controle sobre o ingresso de terceiros.

O percurso entre Manaus e Boa Vista, cerca de 700 Km, foi licitado em 2011, com previsão de entrega da obra em 2015. Porém, as articulações e lutas dos diferentes movimentos conseguiu barrar a construção. No entanto, em fevereiro desse ano, o governo federal declarou a obra como sendo de interesse nacional, liberando a continuidade da construção. As obras estão previstas para começar no próximo mês de agosto.

Na nota, além do apoio ao povo Kinja, as organizações apontam que os povos têm direito à consulta livre, prévia e informada acerca da construção do linhão que pode atravessar território.

Leia a nota na íntegra:

 

Nota de solidariedade ao povo Kinja (Waimiri Atroari)

Linhão na terra do povo Kinja (Waimiri Atroari): A velha política contra os indígenas

É justa, legítima e amparada na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT, a exigência dos Kinja (Waimiri Atroari) de que seja realizada a consulta livre, prévia e informada sobre o projeto de construção do linhão de Manaus/AM a Boa Vista/RR, atravessando suas terras, de acordo com o protocolo por eles construído. A lei existe para ser cumprida, sobretudo para respeitar o direito dos mais vulneráveis, protegendo-os do abuso do poder político e econômico. Ainda assim, o governo federal, em manifestação recente, anunciou que o empreendimento é de interesse da política de defesa nacional e será realizado independentemente da vontade dos indígenas.

Uma nova política do governo em relação ao povo Kinja necessariamente deveria considerar a história recente deste povo indígena, vítima do crime de genocídio, que matou mais de 2.500 indígenas, por ocasião da construção da BR 174, da construção da hidrelétrica de Balbina e da mineração em seu território. Com esse cuidado, outras possibilidades para garantir a segurança energética do estado de Roraima deveriam ser estudadas, como por exemplo, a energia solar fotovoltaica, sugerida como alternativa por três especialistas em sistemas energéticos de universidades brasileiras, em nota técnica recebida pelo Ministério Público Federal (MPF/AM). Mas a tragédia que dizimou aquele povo não tem sido suficiente para sensibilizar as autoridades que insistem na velha política colonialista, intrinsecamente violenta, para impor, ao arrepio da lei, a construção do linhão. 

Ao contrário do que afirma o governo, o impacto ambiental da construção do linhão sobre a Terra Indígena Waimiri Atroari e consequentemente os transtornos para a vida do povo indígena são consideráveis. O projeto prevê a construção de 250 torres de transmissão com uma base de 50 por 50 metros, além do trânsito permanente de um grande número de pessoas para fazer a manutenção, implicando em desmatamento e em restrições a autonomia do povo indígena sobre o seu território, inclusive dificultando o seu controle sobre o ingresso de terceiros.

Invocar força maior para burlar os dispositivos legais, muitas vezes acompanhado de atos de barbárie, tem sido uma prática recorrente dos sucessivos governos, ao longo da história, quando têm algum interesse nas terras indígenas. O atual governo, outra vez, apela para o esdrúxulo argumento do interesse da segurança nacional, também usado pelos governos militares, para justificar a construção das estradas na Amazônia, que rasgaram as terras indígenas, deixando um rastro de destruição e morte. Beira a má fé afirmar que a consulta aos Kinja sobre a construção do linhão significa um risco a integridade do território nacional ou uma ameaça de agressão externa ou interna aos interesses nacionais. É a banalização completa desse conceito, esvaziando-o de seu conteúdo. Se ele serve para tudo, deixa de servir para coisa alguma, a não ser para justificar o abuso de poder do Estado.

Os indígenas, particularmente os Kinja, guardam fundo na memória o que significa em termos de violência e de usurpação de seus territórios, serem tratados pelo Estado como cidadãos de segunda categoria fadados a desaparecer.  

As entidades abaixo relacionadas se solidarizam com o povo Kinja nesta luta em defesa dos seus direitos ameaçados, pela reparação dos danos causados na abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista) e para que possam viver em paz no seu território e fazem um apelo para que as forças democráticas se unam em defesa da Amazônia e de seus povos, fazendo prevalecer a justiça frente ao autoritarismo do governo. No mesmo sentido, diante da iminência do povo Kinja ter, outra vez, os seus direitos violados, as entidades destacam a relevância da ação do MPF para garantir o cumprimento integral da legislação e a proteção ao povo indígena.

Manaus, 10 de junho de 2019

  • Comitê de Direito a Verdade, a Memória e a Justiça do Amazonas
  • Articulação Comboniana de Direitos Humanos
  • Articulação de Mulheres do Amazonas – AMA
  • Articulação pela Convivência com a Amazônia – ARCA
  • Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas – ADUA
  • Associações das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – AMARN
  • Cáritas Arquidiocesana da Manaus
  • Cáritas Diocesana de Roraima
  • Casa da Cultural do Urubuí
  • Central de Movimentos Populares – CMP
  • Central Sindical e Popular Conlutas – CSP – Conlutas
  • Centro Migrações e Direitos Humanos – CMDH
  • Coletivo de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós
  • Coletivo Mura de Porto Velho
  • Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins
  • Comissão do Laicato – Regional Norte I
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT Arquidiocesana de Manaus
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT Diocesana de Parintins
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT/Amazonas
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT/Pará
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT/Prelazia de Itacoatiara
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT/RR
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT/Santarém
  • Conselho Indígena de Roraima – CIR
  • Conselho Indigenista Missionário – Cimi
  • Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB
  • Coordenação das Organizações Indígenas do Amazonas – COIPAM
  • Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno – COPIME
  • Deputado Federal José Ricardo – integrante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
  • Equipe Itinerante
  • Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus – FOCIMP
  • Federação Indígena do Povo Kukami-Kukamiria do Brasil, Peru e Colômbia -TWRK
  • Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas – FOREEIA
  • Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social – FMCJS
  • Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas – FAMDDI
  • Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos – GEIFRON/UFRR
  • Instituto Madeira Vivo – IMV
  • Laboratório Dabukuri Planejamento e Gestão do Território na Amazônia/UFAM
  • Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA
  • Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas – MEIAM
  • Organização das Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea – OLIMCV
  • Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR
  • Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Manaus – PIAMA
  • Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima
  • Pastoral Operária – PO/Manaus  
  • Pastoral Social da Arquidiocese de Santarém
  • Rede Eclesial Pan Amazônica – REPAM

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